por Mary Schultze
Quando a Editora Universal ia lançar o meu livro “Viajando com Martinho Lutero”, a liderança da igreja enviou duas moças a Terê, para me entrevistar. Lembro-me que uma delas tocou o interfone e indagou: “É aí que mora a bispa Mary Schultze?” Não pude conter o riso e respondi que a “bispa”, não, mas uma serva do Senhor Jesus Cristo com o mesmo nome.
O que mais se vê nos dias de hoje é pastor (muitas vezes) semi-analfabeto na Bíblia e no vernáculo ostentando os autoconferidos títulos de bispo ou apóstolo, os quais também podem ter sido comprados nos States, depois dele ter contribuído com alguns milhares de dólares para um ministério pentecostal americano ou para uma igreja do tipo “avivado”. Recebi mais de um e-mail (in English), oferecendo títulos (a um preço módico) e deletei essas mensagens, indignada com tanto abuso praticado contra a Palavra de Deus.
Num artigo do Pr. Ricardo Gondim, publicado recentemente num site batista, li esta informação que muito me edificou:
[Na] Enciclopédia Histórico-Teológico da Igreja Cristã, das Edições Vida Nova, [lemos]: "O uso bíblico do termo "apóstolo" é quase inteiramente limitado ao NT, onde ocorre setenta e nove vezes; dez vezes nos evangelhos, vinte e oito em Atos, trinta e oito nas epístolas e três no Apocalipse. Nossa palavra em Português, é uma transliteração da palavra grega apóstolos, que é derivada de apostellein, enviar. Embora várias palavras com o significado de enviar sejam usadas no NT, expressando idéias como despachar, soltar, ou mandar embora, apostellein enfatiza os elementos da comissão – a autoridade de quem envia e a responsabilidade diante deste. Portanto, a rigor, um apóstolo é alguém enviado numa missão específica, na qual age com plena autoridade em favor de quem o enviou, e que presta contas a este".
Se alguém indagar a um desses profetas e apóstolos de araque se ele pode autenticar suas profecias e o seu apostolado pela Bíblia, o dito vai ficar tão engasgado como um romeiro cearense, tentando engolir rapadura com farinha, numa peregrinação a Juazeiro do Norte para cultuar o “Padim Ciço”. Certo penteca leu um texto meu em algum site, não observou que eu sou uma ferrenha inimiga do chamado Movimento dos Apóstolos e Profetas e me enviou um e-mail sugerindo, inocentemente, que eu me candidatasse ao apostolado, pois, segundo ele, tenho mais cacife para isso do que a apóstola (dos) Milhomens. Respondi que ainda não mereço o título porque sou “mulher de um homem só; não posso garantir que Jesus volte em 2011 para arrebatar os crentes e muito menos consigo subir a um púlpito para pregar a teologia da prosperidade, embasada na confissão positiva, visto como sou contra a mesma. Também não vivi alguns anos na África, onde alguns missionários ocidentais têm aprendido a fazer uma salada de ocultismo com cristianismo...
A nova moda de “semear” deve provir da África, onde o solo é tão ruim que os pobres africanos semeiam à beça e nunca podem colher coisa alguma. Daí que a fome continua grassando naquela desolada parte do planeta. Do mesmo modo, os tolos que acreditam nos pregadores da “semeadura” acabam ficando na pior, pois “semeiam” tanto nos bolsos desses “crocodilos religiosos” que ficam sem dinheiro para as compras da semana.
Domingo passado, a filha, o genro e os netos vieram para o lanche e ficaram para o culto vespertino. A filha sugeriu: “Mãe, não quero ir à PIBT esta noite, pois preciso me divertir um pouco. Tive uma semana trabalhosa demais, com quatro crianças para cuidar e uma obra em casa. Preciso relaxar”.
Tudo bem! Fomos à igreja mais próxima... Ali, depois de 40 minutos de muito barulho, gingados e uma piramidal coleta de dízimos (igreja enorme, lotada de gente bem intencionada), o pregador assumiu o púlpito para contar a respeito de sua recente estada em Miami e Los Angeles, onde pregou o evangelho em duas igrejas de língua portuguesa.
Ele usou tantas vezes a palavra “semeadura”, frisando o amor dos crentes brasileiros pelo evangelho (traduzido em forma de dízimos e ofertas) que senti um calafrio, mesmo estando bem agasalhada. O que pude deduzir da pregação do pastor é que contribuir é a maior prova de amor que um crente pode dar ao Senhor, pois com o dinheiro arrecadado, os ministérios crescem, as igrejas ficam lotadas e o pastor é “abençoado”. Mesmo porque, segundo os pregadores da prosperidade, o pastor precisa ser o membro mais abençoado da igreja, sendo esta a prova maior de que o Senhor está abençoando o seu ministério, a fim de, em seguida, poder abençoar os leigos que frequentam a sua igreja. Tendo em vista que os crentes do Primeiro Mundo são os mais “generosos” (embora dificilmente convertidos), esses “prósperos” pregadores buscam sempre esses países ricos. O pastor supra citado anunciou que em agosto irá a Portugal e à Suíça. Por que ele não vai à África, à Colômbia, ao Peru...?
A palavra “semeadura” é o “abre-te sésamo” para o enriquecimento eclesiástico pentecostal e “avivado”. Ao Brasil ela veio para ficar. Com ela, os “abençoados anjos da igreja” podem comprar mansões, carrões importados e até aviões, os quais serão usados em suas viagens “missionárias”, onde, conforme um deles afirmou: “Quanto mais lugares visitamos, mais doações se conseguem e, assim, vale a pena ter um avião, pois este aumenta a nossa chance de chegar a muitos lugares, para ganhar muitas almas para o Senhor”.
Pelo que entendo, ganhar almas para o Senhor tornou-se uma obra tão dispendiosa que somente os pregadores milionários estão conseguindo fazê-la!!! Só não entendo por que o Senhor Jesus Cristo não advertiu os Seus primeiros discípulos sobre este problema, quando decretou o “Ide”! É verdade que naquele tempo ainda não existia avião, mas, como para Deus não existe futuro, Ele bem poderia ter previsto e falado sobre esta “necessidade missionária”. Se eu fosse o Drummond de Andrade, iria indagar: “E agora, Jesus?”
Mary Schultze, 04/05//2010 – www.maryschultze.com
Graças a Deus que ainda existem crentes lúcidos!
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