domingo, 23 de janeiro de 2011

APASCENTANDO OVELHAS OU ENTRETENDO BODES?

Um mal está no declarado campo do Senhor, tão grosseiro em seu descaramento, que até o mais míope dificilmente deixaria de notá-lo durante os últimos anos. Ele se tem desenvolvido em um ritmo anormal, mesmo para o mal. Ele tem agido como fermento até que toda a massa levede. O demônio raramente fez algo tão engenhoso quanto sugerir à Igreja que parte de sua missão é prover entretenimento para as pessoas, com vistas a ganhá-las.


Da pregação em alta voz, como faziam os Puritanos, a Igreja gradualmente baixou o tom de seu testemunho, e então tolerou e desculpou as frivolidades da época. Em seguida ela as tolerou dentro de suas fronteiras. Agora as adotou sob o argumento de atingir as massas.



Meu primeiro argumento é que prover entretenimento para as pessoas não está dito em parte nenhuma das Escrituras como sendo uma função da Igreja. Se este é um trabalho Cristão, porque Cristo não falou dele? “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura.” (Marcos 16:15). Isto está suficientemente claro. Assim teria sido se Ele tivesse adicionado “e proporcionem divertimento para aqueles que não tem prazer no evangelho.” Nenhuma destas palavras, contudo, são encontradas. Não parecem ter-lhe ocorrido.



Então novamente, “E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores… para a obra do ministério” (Efésios 4:11-12). Onde entram os animadores? O Espírito Santo silencia no que diz respeito a eles. Foram os profetas perseguidos porque divertiram o povo ou porque o rejeitaram? Em concerto musical não há lista de mártires.

Além disto, prover divertimento está em direto antagonismo com o ensino e a vida de Cristo e de todos os seus apóstolos. 


Qual foi a atitude da Igreja quanto ao mundo? “Vós sois o sal” (Mateus 5:13), não o doce açucarado – algo que o mundo irá cuspir e não engolir. Curta e severa foi a expressão: “deixa os mortos sepultar os seus mortos.” (Mateus 8:22) Ele foi de uma tremenda seriedade.

Se Cristo introduzisse mais brilho e elementos agradáveis em Sua missão, ele teria sido mais popular quando O abandonaram por causa da natureza inquiridora de Seus ensinos. 

Eu não O ouvi dizer: “Corra atrás destas pessoas, Pedro, e diga-lhes que nós teremos um estilo diferente de culto amanhã, um pouco mais curto e atraente, com pouca pregação. Nós teremos uma noite agradável para as pessoas. Diga-lhes que certamente se agradarão. Seja rápido Pedro, nós devemos ganhar estas pessoas de qualquer forma.” Jesus se compadeceu dos pecadores, suspirou e chorou por eles, mas nunca procurou entretê-los.


Em vão serão examinadas as Epístolas para se encontrar qualquer traço deste evangelho de entretenimento! A mensagem delas é: “Saia, afaste-se, mantenha-se afastado!” É patente a ausência de qualquer coisa que se aproxime de uma brincadeira. Eles tinham ilimitada confiança no evangelho e não empregavam outra arma.



Após Pedro e João terem sido presos por pregar o evangelho, a Igreja teve uma reunião de oração, mas eles não oraram: “Senhor conceda aos teus servos que através de um uso inteligente e perspicaz de inocente recreação possamos mostrar a estas pessoas quão felizes nós somos.” Se não cessaram de pregar a Cristo, não tiveram tempo para arranjar entretenimentos. Dispersos pela perseguição, foram por todos lugares pregando o evangelho. Eles colocaram o mundo de cabeça para baixo (Atos 17:6). Esta é a única diferença! Senhor, limpe a Igreja de toda podridão e refugo que o diabo lhe tem imposto, e traga-nos de volta aos métodos apostólicos.

Finalmente, a missão de entretenimento falha em realizar os fins desejados. Ela produz destruição entre os novos convertidos. Permita que os negligentes e escarnecedores, que agradecem a Deus pela Igreja os terem encontrado no meio do caminho, falem e testifiquem.


 Permita que os oprimidos que encontraram paz através de um concerto musical não silenciem! Permita que o bêbado para quem o entretenimento dramático foi um elo no processo de conversão, se levante! Ninguém irá responder. A missão de entretenimento não produz convertidos. A necessidade imediata para o ministério dos dias de hoje é crer na sabedoria combinada à verdadeira espiritualidade, uma brotando da outra como os frutos da raiz. A necessidade é de doutrina bíblica, de tal forma entendida e sentida, que coloque os homens em fogo.

Texto de Charles H. Spurgeon, que pode ser encontrado aqui. Uma triste nota é que, se a coisa já andava feia no século XIX, no século XXI desandou de vez.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

DISCERNIMENTO BÍBLICO!

MORRIS CERULLO EXPOSTO!
Por John Davies


Morris Cerullo é pastor e evangelista de cruzadas de cura da Assembléia de Deus. A mansão que possui tem mais de 1000 m2  está protegida atrás de dois portões no bairro mais rico dos Estados Unidos e foi avaliada em mais de U$12 milhões de dólares.  Cerullo e sua esposa são os únicos que vivem nela, e segundo relatos eles estão no campo missionário 70% do tempo... que desperdício do dinheiro de Deus!

A “limusine aérea” [avião particular] de Morris Cerullo é um Gulstream G4, avaliada em torno de U$50 milhões de dólares. Ele tem dois pilotos de tempo integral e uma de suas aeromoças disse em recente depoimento que o avião tem o interior banhado a ouro. Ele teve três jatos particulares semelhantes desde então.

Morris Cerullo afirma ser um fazedor de milagres, mas está sob investigação devido ao dinheiro que tem conseguido dos doadores. John Paul Warren antigo executivo sênior do “Morris Cerullo World Evangelism” (MCWE) entrou na justiça com um processo o qual afirma que foi expulso da MCWE depois de confrontar Cerullo sobre sua “falta de ética e técnicas fraudulentas de arrecadação de dinheiro”.

Este é o segundo processo contra Cerullo. Warren que é um ministro altamente respeitado entre os que foram ordenados da terceira geração das Assembléias de Deus entrou com o processo em maio de 2000 na Corte Superior de San Diego. Ele é representado pelos advogados Dean Broyles e Tim Rutherford de San Diego, e Hunter Lundy, de Lake Charles, Louisiana. Lundy representou com êxito Marvin Gorman em seu processo contra o tele evangelista Jimmy Swaggart em 1991 que resultou em um veredito de grande prejuízo contra Swaggart.

“Cerullo refere a si mesmo como “Dr. Cerullo”, embora não tenha qualquer grau acadêmico que o qualifique a ostentar este título”, diz Lundy. “Ele vai aos escritórios da MCWE em San Diego que chama de “controle da missão”, mas ele não trabalha como um ministro comum de uma igreja física ou congregação”. Cerullo arrecadou milhões de dólares e comprou o já morto canal de TV PTL Network, o parque temático e uma área de conferências tirando-as da falência judicial depois que a carreira do tele evangelista Jim Bakker terminou quando ele foi condenado e enviado para cumprir a pena em um presídio federal por fraude”.

“Cerullo afirma ter tido o primeiro encontro com Deus quando tinha a idade de oito anos. Desde então, a sua vida aparentemente foi uma sucessão de experiências sobrenaturais após outra”, diz Lundy. “Ele diz que foi tirado de um orfanato judeu por dois seres angelicais; transportado ao céu para um encontro com Deus; recebeu a habilidade para predizer o futuro e poder curar os doentes; ele fala para a sua audiência que quando eles olham para ele estão “olhando para Deus”. 

De acordo com Broyles, o foco primordial de Cerullo está em arrecadar milhões de dólares em nome de Deus para sustentar o próprio estilo de vida opulento tanto nos Estados Unidos quanto no exterior. Ele diz: “as vítimas das táticas de Cerullo e a fonte de seus milhões de dólares são os idosos, viúvas e os pobres nos Estados Unidos e também em países do terceiro mundo”. Broyles diz que as táticas de arrecadação de fundos de Cerullo incluem pedidos diretos, reuniões de oração, venda de videoteipes, orações transmitidas em rede, comerciais de televisão e campanhas por correspondência, entre outros, tudo baseado em ensinos distorcidos e falsas promessas.

Warren que tem conhecimento em primeira mão das operações que ocorrem dentro da MCWE, diz: “Cerullo fez incontáveis promessas aos seus doadores de dinheiro, os quais nunca pretendeu manter. Ele arrecadava dinheiro para projetos populares que geravam apoio de doadores, entretanto nunca fazia o projeto, mas ficava com o dinheiro”. Warren diz que logo após se mudar para San Diego para assumir a liderança da MCWE descobriu que Cerullo usou o status de entidade de caridade da MCWE para ter  lucro pessoal. “Cerullo comercializa o evangelho para sua própria riqueza pessoal”, diz Warren.  Warren pediu para Cerullo se arrepender das suas práticas enganosas de arrecadação de fundos e devolver os milhões de dólares aos seus doadores, mas ele recusou.

O filho de Cerullo, David Cerullo, assumiu o comando da antiga PTL Network, agora conhecida como Inspiration Network (INSP) localizada na Carolina do Norte e que serve como um meio de disseminar os programas de pedidos de dinheiro de Cerullo e gerar nomes para futuros esforços de arrecadação de fundos. Nem o MCWE de Cerullo nem a sua Inspiration Network são financeiramente responsáveis por qualquer grupo", diz Rutherford. "Na realidade, Cerullo, seu filho David e sua esposa Theresa são todos sócios do conselho de administração do MCWE”.

Os advogados de Warren dizem que suas fontes informaram que 70% da renda de Cerullo são provenientes de atividades empresariais orientadas ao lucro ao invés das atividades não lucrativas ditadas pelo seu status de entidade isenta de impostos.

“Cerullo vive em uma confortável mansão de milhões de dólares atrás de dois portões de segurança em uma propriedade luxuosa no exclusivo Rancho Santa Fé, o bairro mais rico do país. A MCWE possui e controla numerosas propriedades empresariais, vários automóveis de luxo e um jato particular banhado a ouro. Ele informou ter pessoalmente estimado seu patrimônio líquido em 100 milhões de dólares”. Isso tudo se parece com o estilo de vida de um ministro do evangelho? pergunte para Lundy.

Os advogados dizem que parece haver dificuldades enfrentadas por Cerullo e o seu ministério MCWE. Vários ex-funcionários informaram possíveis violações criminais ao fisco, alfândegas e ao serviço postal norte-americano.
Cerullo foi proibido de aparecer na televisão de toda a Grã-Bretanha a menos que pudesse autenticar os milagres que supostamente fazia, e a comunidade judaica protestou diante do que eles chamaram de tentativas insinceras dele para converter os judeus ao Cristianismo. Além disso, muitos que estabeleceram organizações religiosas respeitadas se distanciaram de Cerullo e da MCWE. Os advogados neste caso estão seriamente preocupados que as práticas de arrecadação de dinheiro de Cerullo são prejudiciais especialmente para os idosos.

Previamente a juíza do Tribunal Superior Linda B. Quinn negou uma moção de Cerullo para que desconsiderasse as reivindicações de Warren. Cerullo pediu a juíza uma posição favorável. Ele buscou imunidade apelando para a primeira emenda constitucional. A apelação foi ouvida na Corte Superior do Estado da Califórnia em San Diego no dia 14 de novembro.

Segundo a opinião geral, a audiência foi favorável aos oponentes de Cerullo. O próprio Cerullo estava presente com a esposa para acompanhar os procedimentos. Em vez de dar resposta às acusações, Cerullo está tentando se esconder atrás da primeira emenda que diz que um ministro não pode pleitear contra outro. 

John Paul Warren, o antagonista de Cerullo, quer que ele seja exposto a comunidade cristã por causa de suas ações. Ele diz que tentou durante quase dois anos convencer a liderança da Assembléia de Deus a submeter Cerullo a correção, mas de todas maneiras possíveis tanto Cerullo quanto a AD recusaram. Ele diz que viajou com Cerullo pelo mundo e testemunhou as ações dele em primeira mão. Ele pediu para Cerullo devolver os milhões de dólares que tinha arrancado dos doadores, mas de maneira previsível Cerullo recusou. Assim Warren percebeu que não teria nenhuma outra escolha além de ir aos tribunais.

Warren também afirma que uma igreja da AD no Oregon decidiu não o contratar depois de saber do seu processo contra Cerullo. Warren alega interferência dos funcionários do MCWE que prejudicaram a sua relação com a AD e afetou a prospecção de futuros trabalhos.

O MCWE declarou que para arquivar o processo, Warren tinha exigido U$2,2 milhões de dólares para não ir adiante. Tinham lhe pedido também que submetesse as denúncias a uma arbitragem cristã, mas ele recusou. Warren disse que iria para arbitragem se o MCWE pagasse todas as despesas, segundo disse o MCWE.

Outro processo contra Cerullo foi resolvido recentemente fora dos tribunais. Harry Turner, um vice-presidente do MCWE que renunciou em novembro de 1999, disse que o acordo lhe impediu de revelar a quantia envolvida na negociação. De acordo com uma carta dos arquivos do tribunal, o advogado de Turner tinha pedido U$800,000 dólares para resolver esta disputa "sem litígio”. A lista de denúncias de Turner contra Cerullo incluía alegações de mentiras e fraudes feitas aos seus doadores.

Davis Frast, um oficial de informação e inspetor do Serviço de Inspeção Postal, disse que a sua agência tinha recebido reclamações sobre o ministério de Cerullo e que estava nas primeiras fases de uma investigação.

Voltando aos anos 90, a Assembléia de Deus tinha com o evangelista Morris Cerullo um programa em rede nacional [N.T.: no Brasil semelhante ao programa “criança esperança”] com um convidado especial: Robert Tilton.
O propósito era arrecadar dinheiro para comprar de volta [da justiça] o “Heritage USA”, um parque temático cristão em Fort Mill, Carolina do Sul, fundada por Jim Bakker. Nos anos oitenta o “Heritage USA”, atraiu mais de 6 milhões de visitas ao ano e empregou mais de 2000 pessoas.

Cerullo teve êxito neste empreendimento e o parque ficou aberto durante alguns anos, mas não obstante fechou as portas em 30 de novembro de 1997. Mas o que a maioria das pessoas não ficou sabendo foi o fato de que Morris Cerullo empreendeu esta aventura porque o “número um” da Assembléia de Deus, Thomas E. Trask lhe pediu que fizesse isto. A Assembléia de Deus por seus diferentes superintendentes era a força que conduzia e controlava tudo por trás do Clube PTL de Jim Bakker.

Jeffrey K. Hadden, professor de sociologia na Universidade da Virgínia em Charlottesville, informou que “uma cláusula pouco conhecida na escritura do Heritage USA é a que o repassa para as Assembléias de Deus no caso de Jim e Tammy Bakker não puderem mais administrá-lo". 

O que chama a atenção é o fato de que Robert Tilton nunca fez parte da Assembléia de Deus ou do PTL. Ele era de uma “fé” evangelista independente que viu o valor da televisão e a reaquisição do Heritage  USA incluiu o poder da mídia televisiva e a facilidade de se tornar mais atrativo. (Oral Roberts também competiu nesta aventura contra Morris Cerullo e perdeu!).

A mídia secular informa que na Assembléia de Deus do Reavivamento em Brownsville quatro pastores envolvidos na “revivificação” possuíam sua própria organização de caridade “sem fins lucrativos” e isentas de impostos, iguais a de Cerullo para lucrar com a “revivificação”. 
Infelizmente para as ovelhas é muito comum evangelistas da televisão e até mesmo pastores e pregadores serem vigaristas e ladrões.

Embora seja uma lei federal americana que toda organização sem fins lucrativos, inclusive universidades e ministérios Evangélicos, tem que liberar ao público seus cinco maiores salários pagos ao seu quadro de pessoal, poucos do seguimento cristão obedecem a esta lei. 

Um pastor pentecostal condenado recentemente a prisão por enganar a sua congregação no estado do Colorado admitiu ter feito “algo horrível, horríveis coisas”, diante de um punhado de membros da igreja sentados no tribunal.

De acordo com o jornal “Colorado Springs Gazette”, John Harris da Primeira Igreja Assembléia de Deus em Canon City ficou uma 21 meses em um presídio federal por desviar mais de U$350,000 da sua congregação, perto da cidade de Denver.

“Eu sinto muito pelas feridas profundas infligidas pelos crimes de fraude, decepção e mentiras que eu cometi”, disse Harris, 41 anos, no tribunal. Sem autorização, ele abriu uma conta no nome da igreja e levou empréstimos usando uma autorização forjada dos líderes da igreja.
Harris gastou o dinheiro em um spa, um campo de golfe e em ações na bolsa de valores.

“Ele permitiu que os seus desejos para ser bem sucedido o cegassem diante da loucura que estava fazendo”, disse o advogado de Harris, Warren Williamson que buscou indulgência citando a família do seu cliente, filhos e uma história de boas obras.

O juiz Walker Miller disse que o pastor procurou “o altar do deus material”. “Não é meu trabalho perdoar você”, disse Miller, a “Gazette”. “É meu trabalho punir você”. A esposa de Harris, Linda, também foi condenada por ter participação no esquema.

John Harris, Morris Cerullo, Jim Bakker, Jimmy Swaggart e Karl Strader são apenas a ponta do iceberg de muitos salafrários da Assembléia de Deus que usam as ovelhas para o seu próprio ganho.
Além destes temos outros como o Dr. Henry J. Lyons, Billy, Ned e Franklin Graham, Robert Tilton, Jim Bakker para citar alguns.


Referências:

Traduzido por Edimilson de Deus Teixeira
Fonte: Site Jesus is Savior

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

A Grande Ruptura

Por John MacArthur

Martinho Lutero disse: "Se o nosso evangelho tivesse sido recebido em paz, ele não seria o verdadeiro evangelho". Se alguém já viu a verdade do Cristianismo causar divisões entre pessoas e instituições, essa pessoa foi Lutero. Ele pregou a verdade na Igreja Católica, mas essa verdade não trouxe paz; ao contrário, ela criou a maior ruptura na história da religião. Ela despedaçou o poder monolítico da hierarquia católica e deu início à Reforma Protestante, a qual resgatou o verdadeiro evangelho do sacramentalismo que o mantinha prisioneiro.
Na realidade, Mateus 10.34 é paradoxal porque deveríamos esperar que o Senhor trouxesse a paz. Afinal, João Batista era seu predecessor e ele falou sobre paz. Quando os anjos proclamaram o nascimento do Messias eles cantaram "Paz na terra". E, em João 14.27, Jesus afirma: "A minha paz vos dou".

Em pelo menos três lugares na carta aos Romanos, Paulo falou sobre a paz que Deus nos dá (5.1; 8.6; 14.17). E verdade que existe paz no coração daqueles que crêem, mas no que concerne ao mundo, não existe outra coisa senão divisão. Sim, ele trouxe a paz de Deus ao coração do crente, e, algum dia, haverá um reino de paz. O Antigo Testamento nem sempre fez uma distinção clara entre a primeira e a segunda vindas. A primeira trouxe uma espada; a segunda trará a paz perfeita.

E verdade que a primeira vinda trouxe uma paz parcial, a paz que penetra o coração de todo que crê. Mas o Senhor advertiu os discípulos: "Lembrem-se disto quando saírem: Vocês causarão divisão. Causarão uma laceração e uma separação".

O evangelho faz isso. E o fogo refinador que consome. Ele produz a separação entre ovelhas e cabritos feita pelo pastor. Ele traz a pá do agricultor que joga os grãos para o ar e o joio é separado. A entrada de Cristo quebra e separa. Se Cristo nunca tivesse vindo, a terra teria continuado unida, condenada ao inferno. Mas quando ele veio, uma guerra estourou.

Em Lucas 12, vemos algo disso. No versículo 49, Jesus diz: "Eu vim para lançar fogo sobre a terra e bem quisera que já estivesse a arder". Versículo 51: "Supondes que vim para dar paz à terra? Não, eu vo-lo afirmo; antes, divisão". Ele veio para trazer uma espada, não paz, no sentido de que ele veio para colo¬car os membros de uma família uns contra os outros. Ele afirmava que aqueles que fossem verdadeiros discípulos estariam dispostos a criar uma divisão em seu próprio lar.

Isso vai contra todos os nossos instintos, porque desejamos paz no nosso lar mais do que qualquer outra coisa. E o nosso refugio, é o lugar onde vivem as pessoas que mais amamos e melhor conhecemos. Não queremos viver em desavença com eles. Mas quando nos comprometemos com Jesus Cristo, se¬remos leais a ele, mesmo que isso destrua nosso lar, a nossa vizinhança, nossa cidade, nossa nação. Se esse é o preço, pagaremos.

Jesus expressou a severidade dessa ruptura na frase de Mateus 10.35: "Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai". Algumas traduções dizem: "Pois vim colocar o homem em divergência com seu pai". A expressão grega "em divergência com", ou "contrário a" é rara, e usada apenas nessa passagem do Novo Testamento. Ela significa romper as relações. Jesus dizia: "Eu separarei totalmente o homem de seu pai e todos os outros parentes entre si. Destruirei as famílias de todas as maneiras possíveis".

Esse é o pior rompimento possível. Não é tão ruim quando estamos em desavença com vizinhos, com o patrão, com amigos ou com a sociedade, mas quando chega à família e o compromisso com Jesus Cristo significa uma rup¬tura com os parentes, é aí que as coisas realmente começam a se tornar difí¬ceis. Seu compromisso com Cristo vai contra o amor por eles e a necessidade que sentimos da presença deles.

Seu compromisso vai contra o desejo de viver em harmonia. Ser cristão e seguir a Jesus Cristo pode significar uma divisão dentro do lar. Mas essa é a marca do verdadeiro discípulo. Muitas vezes, unir-se a Cristo significa o afastamento de membros da família que nos rejeitam porque não rejeitamos o evangelho. Isso é especialmente verdadeiro em famílias judias, assim como nas famílias que professam outras religiões falsas.

Esse é um padrão difícil, e muitas pessoas sentem que é sacrifício demais. Algumas esposas não irão a Cristo porque temerão se separar do marido. Al¬guns maridos não aceitarão a Cristo porque temerão se separar da esposa. Os filhos podem não ir a Cristo por temerem seus pais ou mães, e vice-versa. As pessoas não assumem sua posição ao lado de Cristo porque desejam manter a harmonia familiar. Mas Jesus disse que o verdadeiro discípulo deixará sua família, se for necessário fazer tal escolha. Isso faz parte da auto-renúncia, aceitar alegremente o alto custo de servir a Jesus para receber suas infinitas bênçãos para os tempos de hoje e para a eternidade.


UM AMOR MAIOR
O amor familiar é forte; sem dúvida é o laço humano mais profundo e íntimo. Porém, ele não tem o poder que o amor por Cristo tem. Este é tão forte que algumas vezes rompe os laços familiares. Uma jovem senhora que conheço contou que se tornara crista vindo de uma família totalmente paga e, como resultado, seu pai, a quem ela amava muito, se recusava a falar com ela, quer pessoalmente quer por telefone; ele desligava o telefone quando ela ligava. Disse ela: "Sempre penso que ele deveria estar contente porque não sou uma alcoólatra, não sou viciada em drogas, não sou uma criminosa, não passei por nenhum acidente terrível que tivesse me deixado aleijada ou machucada. Nunca fui tão feliz em minha vida como sou agora que me tornei cristã e, por causa do meu amor por Cristo, ele não fala comigo". A razão é a espada.

A mesma espada caiu entre Caim e Abel. Abel era um homem justo, Caim era injusto, e a ruptura foi tão grande que Caim não conseguiu suportá-la — por isso matou o seu irmão.
Primeira Coríntios 7 mostra-nos como a espada interfere num casamento cristão. Se você tem uma mulher não-crente e ela concorda em permanecer com você, não se divorcie dela. Se você tem um marido não-crente e ele deseja permanecer com você, deixe-o ficar porque certa santificação ocorre. Ou seja, as bênçãos de Deus que caem sobre o crente atingem de modo temporal o parceiro não-crente. "Mas, se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos, não fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado à paz" (v. 15). Esse é o outro lado da situação. Uma vez que a espada caiu, então Deus nos tem chamado à paz, e se o descrente deseja apartar-se, devemos deixá-lo ir.

Tornar-se cristão significa estar cansado do próprio pecado, ansiando por perdão e pelo resgate do pecado atual e do inferno futuro, e afirmar nosso compromisso com o senhorio de Cristo até o ponto em que estamos prontos a abandonar tudo. Eu já disse isso antes e tornarei a dizer novamente: não se trata apenas de uma questão de levantar a mão, caminhar até a frente e dizer "Eu amo a Jesus". Isso não é fácil, não é algo que nos tornará mais popular nem é uma resposta às necessidades que o mundo diz que temos. Não é um mundo perfeito e cor-de-rosa no qual Jesus nos concede tudo o que deseja¬mos. E difícil, exige sacrifício e põe tudo de lado.

A manifestação da verdadeira fé é um comprometimento que nenhuma influência consegue abalar. Sem dúvida você ama sua família, seus filhos, seus pais, seu esposo ou sua esposa. Mas se você é discípulo verdadeiro, o compromisso com a salvação encontrada unicamente em Cristo é tão profundo, tão intenso e tem um alcance tal que, se for necessário, dirá não àqueles a quem ama por causa de Cristo.

John Bunyan conheceu esse sofrimento de maneira muito especial. As autoridades disseram-lhe que parasse de pregar, mas ele respondeu: "Não posso parar de pregar porque Deus me chamou para isso". A resposta foi: "Se o senhor pregar, nós o colocaremos na prisão".
Então ele pensou consigo mesmo: "Se eu for para a prisão, quem cuidará da minha família? Ao mesmo tempo, como posso fechar a minha boca quando Deus me chamou para pregar?".
Bunyan foi suficientemente forte, corajoso e fiel para entregar sua família aos cuidados de Deus e permaneceu fiel e obediente ao chamado para pregar, e eles o colocaram na prisão. E foi na prisão que ele escreveu sua magnífica alegoria, O Peregrino, que tem abençoado tantos milhões de famílias ao longo dos séculos com seu ensino sobre o caminho da salvação. Sem ele, sua família sofreu, mas Deus cuidou dela. E mediante esse sofrimento, Deus realizou obras maravilhosas na vida de incontáveis pessoas.

Num apêndice à sua autobiografia Grace Aboundingto the ChiefofSinners, Bunyan escreveu:
A separação de minha esposa e de meus pobres filhos tem sido freqüentemente para mim neste lugar [a cadeia], como arrancar a carne de meus ossos; e isso não porque eu seja de certo modo muito ligado e aficionado a essas grandes Misericórdias, mas também porque eu sempre tinha de trazer à minha mente as muitas dificuldades, misérias e necessidades que minha pobre família teria de enfrentar se eu tivesse de ser apartado deles, especialmente meu pobre filho cego, que permanece mais próximo do meu coração do que qualquer um dos outros. O, o pensamento das dificuldades que eu penso que o meu filho poderá enfrentar, parte o meu coração em pedaços ... Mas, ainda assim, relembrando o que se passou, eu pensei: preciso entregar todos a Deus, embora eu esteja para deixá-los em breve. Nessa condição eu me percebi como um homem que estava destruindo sua casa sobre a cabeça de sua esposa e filhos; ainda assim, pensei, eu tenho de fazer isso, eu tenho de fazer isso.'
Peço a Deus que nunca tenha de tomar esse tipo de decisão, mas é uma possibilidade. Você pode ter tido a necessidade de fazer essa escolha porque confessou a Jesus Cristo, e certamente isso foi um fardo para sua família. Mas essa é a maneira pela qual provamos a realidade da nossa conversão. Aquele que diz: "Não estou disposto a fazer esse sacrifício", não é genuíno. Em Mateus 10.37 Jesus diz: "Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim". Não podemos ser seus discípulos e receber sua salvação se nossa família significa mais para nós do que Cristo.

Cristo não é Senhor dos que correm, mas dos quais se compadece



Por Jorge Fernandes Isah 


Há um trecho na Escritura que sempre me comoveu desde que o li, a primeira vez, logo após a minha conversão. As palavras de Jesus soavam duras demais para os meus ouvidos sensíveis e pouco acostumados com a verdade; e não considerava o caráter justo de Deus, muito menos a sua obra como eficaz, na qual ele veria o fruto do seu trabalho e se satisfaria; o que vale dizer que Cristo considerou a sua obra concluída, acabada e não por terminar, como querem alguns, ainda que inconscientemente [Is 53.11].

A maioria utiliza-no em seu caráter santificador, com perguntas do tipo: Você conhece Jesus?... Você obedece a Deus?... O seu entendimento sobre Cristo é apenas cognitivo?... Quando vai conhecê-lo em seu coração? Ou afirmações parecidas com: Você tem de viver o Evangelho... Não basta crer, pois até os demônios crêem... O seu relacionamento tem de ser pessoal com Deus. E por aí afora...[1]

Não estou dizendo que as perguntas e as afirmativas estão erradas, mas elas falham em compreender algo fundamental e que tem sido relegado a um ponto senão obscuro, ininteligível, para nós; e toda vez que o trecho é comentado ou usado, emprega-mo-lo como se destinado exclusivamente para fariseus, hereges e ímpios; porém há algo muito mais fantástico em sua sentença, algo que me emociona sobremaneira, hoje mais que ontem: o esforço pessoal é irrelevante para Deus, pois importa-lhe tão somente os eleitos, aqueles que escolheu por sua vontade. E ponto final.

Estou a defender o antinomismo? De forma alguma! Acontece que a lei não é objeto de salvação, mas o salvo tem prazer em cumpri-la[2]. Enquanto, para o ímpio, resta obedecer-lha, em seu caráter temporal, para não ser punido, sem que haja qualquer prazer em sujeitar-se. E nem mesmo a lei é o que separa eleitos de réprobos, salvos de condenados, mas a eleição eficaz de Deus, a qual determinou a condição de cada um dos seres humanos; como está escrito: E porá as ovelhas à sua direita, mas os bodes à esquerda.Então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo... Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” [Mt 25.33, 34, 41]. Os santos não foram incluídos no Reino por um sistema de recompensa, como uma “bonificação” aos obedientes, um prêmio aos que se mantêm fiéis a Deus; mas o Reino foi criado para os eleitos, os santos, antes da fundação do mundo, como o lugar onde todos os escolhidos reinarão“com toda a sorte de bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” [Ef 1.3]. Por isso, ele nos elegeu antes da Criação, para sermos “santos e irrepreensíveis diante dele em amor” [Ef 1.4]; e “nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, pela qual nos fez agradáveis a si no Amado” [Ef 1.5-6].

A ação divina não é passiva, do tipo, Deus viu que o homem se salvaria, se santificaria, se esforçaria em entrar no Reino, aceitaria-no e, então, somente então, Deus o predestinaria e o elegeria. Mas que eleição é essa onde o eleito é quem se auto-predestina? Onde o escolhido se auto-escolhe e impõe a sua escolha por seus próprios méritos para aquele que o predestinou? O que vem primeiro, a predestinação ou o esforço do eleito em satisfazê-la, e por isso, ser predestinado? Seria o mesmo que dizer que alguém se afogou antes de entrar na água. A predestinação, por mais que se queira distorcer o seu sentido, tem somente uma definição, de acordo com o Priberam:

predestinar - (latim praedestino, -are)
v. tr.
1. Eleger desde a eternidade (ex.: afirmou que Deus predestina os justos).
2. Destinar para grandes coisas ou para determinado fim. = eleger
3. Destinar com antecedência


Ora, predestinar é claramente a atitude de destinar antecipadamente, de previamente decidir, e não o ato de antever o que irá acontecer e então determinar que aconteça. E, então, fica a pergunta: quem garantiu que o evento aconteceria? Deus? O homem? O acaso? Forças impessoais? Ou a cooperação mútua dessas forças? O que não entendo é: se Deus viu o que iria acontecer, como algo certo, visto tê-lo previsto, por que o determinaria já que o fato é, em si mesmo, exequível em sua realização, e não dependeu da sua vontade ou decisão para ser observado? Pelo contrário, o fato previsto seria soberanamente livre, impedindo que Deus agisse para mudá-lo, ainda que não fosse do seu agrado. Isso não levaria à conclusão de que esse "Deus" antes de ser pessoal é um "Deus" impessoal? E a presdestinação, assim como a eleição, não passaria de uma piada sem graça, um xiste, que tornaria esse "Deus" num mero espectador, a endossar obrigatoriamente até mesmo o que lhe contrariaria? Em outras palavras, a sua soberania seria uma lenda, e tudo, desde a Criação, teria de ter outra explicação; tudo, na verdade, não poderia vir da vontade desse "Deus", mas de outra força, pois o que ele faz é consentir que cada evento ocorra como visto, e a sua vontade seja adequada a cada evento de tal forma que eles permaneçam imutáveis. A vontade dele se subordinaria à inexorável realização do ato antevisto. Por todos os lados, o que temos aqui não é o Deus bíblico, mas um "Deus" impotente, escravo da visão; um "Deus" transitivo quando a revelação nos apresenta o Deus intransitivo, completo e perfeito em si mesmo. Contudo, estou saindo do foco desta postagem, ainda que este seja um elemento pertinente a ela...

Voltando à vaca-fria, do ponto de vista humano, seria possível se equilibrar em uma corda-bamba, sem pára-quedas, dez mil pés de altitude, com ar rarefeito, rajadas fortes de vento, chuvas, gelo, e a gravidade puxando-o incontinênti para baixo?[3]. Como manter-se assim, por si só? Quais forças o sustentariam, impedindo-o de despencar em queda-livre? De ser tragado no espaço? Essa é a condição do homem diante do pecado e da condenação; fatalmente será sugado por eles, destruído, se Deus não agir ativamente, em todo o processo, sustentando-o na corda-bamba. Na verdade, ele nos tirou dela, e nos colocou são e salvos no chão, em terra firme, enquanto quem tomou o nosso lugar foi Cristo. E os ímpios? Os que não se esborracharam ainda no chão? Estão precipitados no ar, a espera de juntarem-se aos corpos estatelados no abismo.

Mas, esse não é o trecho em questão, que me comoveu nos últimos anos. Então, qual é?

“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” [Mt 7.21]

Bem, a exigência de obediência está evidente, não é? Claro! Somente entrarão nos céus aqueles que fazem a vontade do Pai, certo? Sim. Então, onde está o problema apontado por você? De haver uma leve distorção nesse ensino? Respondendo a mim mesmo, pergunto: quem faz a vontade do Pai? Alguém, entre nós, é capaz disso? Há de se entender que a vontade divina não é uma parte, nem fração ou divisão. Não são peças de um quebra-cabeças que se vai montando; ela é pronta e acabada, não restando o que pôr ou retirar. O Senhor referiu-se a ela como “a vontade”, única, inseparável, não-repartida. Assim, quem se habilita ao Reino dos céus?

Seguindo o esquema soteriológico vigente no presente século, Cristo morreu por todos, e cabe a cada um dentre todos, alcançá-lo por seus próprios meios, como um feito, uma obra pessoal. Segundo esse mesmo sistema, o homem pode conseguir salvar-se mas pode perder-se novamente ao falhar em cumprir a vontade do Pai. Mas não bastaria uma falha para tudo ir por água abaixo? Ou seja, mesmo que Cristo tenha morrido por todos, é possível que ninguém seja salvo, pois o princípio da obediência é a vontade divina como um todo, completa, não uma partícula, não uma seção; visto a salvação vir pela fé em Cristo, mas a fé não ser suficiente, pois se tem de, ainda que seja no ato inicial, alcançá-la pelo esforço individual de aceitar aquilo que está sendo proposto.

O arrependimento não justifica o erro, nem pode anulá-lo. O arrependimento é o agradecimento por, ainda que errando, Deus nos haver perdoado; é o reconhecimento daquilo que fez ao anular a dívida que tínhamos, pelo sacrifício de Cristo na cruz. O arrependimento não pode nos livrar da condenação, por isso, Judas permaneceu condenado em seus pecados, mesmo reconhecendo seus erros. Uma dívida não pode ser paga a menos que seja quitada. Como não nos foi possível remi-la, Jesus tomou o nosso lugar e, "havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz" [Cl 2.14]; perdoando-nos todas as ofensas. Elas foram pagas de uma só vez, pela obediência completa do Filho de Deus, não sendo possível imputar a quem foi perdoado nova condenação. No tribunal de Cristo não há recursos nem apelações, dívida paga, dívida quitada, não há débitos, nem a possibilidade de serem reavidos, cobrados e pagos outra vez. Por isso, Paulo diz que é impossível ao salvo recair e ser novamente renovado para o arrependimento; se tal coisa acontecesse, "de novo crucificam o Filho de Deus, e o expõem ao vitupério" [Hb 6.6].

Voltando ao exemplo do homem em queda-livre, sem pára-quedas, o que pode ele fazer além de esperar por um milagre? Nada. É o caso do homem em relação à sua salvação. Não lhe resta nada a fazer, pois o que foi feito por Cristo é plenamente eficaz, de tal forma que nenhum acréscimo é-lhe permitido, sendo perfeito, e ao perfeito não se adiciona coisa alguma. Porque ele, e somente ele, foi capaz de satisfazer toda a vontade do Pai; de obedecê-la integralmente, sem falhas nem tropeços, equilibrando-se na corda-bamba de ponta a ponta, dominando-se a si mesmo sem inclinar-se para um lado ou outro do abismo. Por isso, tem a autoridade para responder aos réprobos: “Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade” [Mt 7.22-23].

Há alguns aspectos a serem abordados aqui:
1) Ímpios podem ser usados por Deus para fazerem a sua obra, segundo a sua vontade, já que também são servos, como tudo o que foi criado está-lhe sujeito e a servi-lo. Portanto, haverá nessa lista de “desconhecidos do Senhor”, pastores, missionários, teólogos, e mesmo pessoas que, aos olhos humanos e carnais, eram irrepreensíveis, assim como Paulo era entre os judeus [Fp 3.6].
2) Eles podem fazer muitas coisas, como: profetizar, expulsar demônios e outras maravilhas, mas isso não lhes assegurará a participação no Reino; evidência de que, como disse no início deste texto, Deus não se importa com o nosso esforço pessoal, o qual nada vale se não for como conseqüência dele nos conhecer, predestinar, chamar, justificar e glorificar; verbos que guardam em si ações diretas, ativas de Deus na vida daqueles que destinou a “serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” [Rm 8.29].
3) A despeito de tudo o que fizeram, em nome de Cristo, ele lhes dirá abertamente:“Nunca vos conheci”. Essa afirmação guarda um tesouro, não para os desconhecidos, mas para os conhecidos. Dirão alguns que isso é a prova da presciência, da antevisão divina, assim como um vidente vê o futuro, apenas e tão somente, sem poder intervir nele. A palavra “conheci” procede do grego ginosko[4]indicando “ter a ver com”, “conhecer pessoalmente”. Cristo quis dizer que “não tinha nada a ver com aqueles homens”, “que nunca teve nada a ver com eles”, “que os desconhecia”, por isso deviam apartar-se dele. Fica a pergunta: se Cristo morreu por eles, como era possível que não os conhecesse e tivesse um conhecimento pessoal? Em contrapartida, aqueles que “conhece”, têm tudo a ver consigo, são-lhe íntimos, têm uma relação estreita, ao ponto do Pai vê-los por intermédio do Filho, que satisfaz a sua vontade. E a satisfez plenamente na cruz, ao morrer por aqueles que o Pai lhe deu, os quais jamais se perderão e sairão das suas mãos. Cristo morreu por suas ovelhas apenas, não por todas, e ele mesmo se encarregou de agregar as que ainda não estavam em seu aprisco... e elas ouvirão a sua voz, “e haverá um rebanho e um Pastor” [Jo 10.16]. Por isso, Cristo ainda diz: “Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós... Eu rogo por eles; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus” [Jo 15.16, 17.9].

A relação aqui é de posse; somos de Cristo, assim como somos do Pai, o mundo não é de Cristo, no sentido específico da salvação, do ato expiatório do Senhor ser objetivado aos eleitos, e não à humanidade genericamente. Somos de Cristo, pois, por nós, morreu, resgatando-nos com o seu próprio sangue [At 20.28]. A segurança do eleito está nele, o qual nos conhece, e destinou-nos infalivelmente a que o conhecêssemos. Em outras palavras, Cristo nos conhece, e não há a menor chance daqueles que conhece não o conhecê-lo. Por isso, além de revelar a qualidade moral da obediência [no que todos os cristãos concordam], a qual é o padrão para fazer parte do Reino, incontestavelmente o trecho da Escritura reivindica a salvação e a reprovaçao como escolhas diretas de Deus sobre os homens, adquirindo o sentido exato de que a verdade comunicada é esta: “assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus que se compadece... Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer” [Rm 9.16, 18].

O que o Paulo quer dizer com isso? Você curou? Ótimo, mas não confie na cura que fez... Profetizou? Não confie em sua profecia... Expulsou demônios? Isso não lhe garante nada... Fez milagres? Cuidado!.. Fez maravilhas? E daí?... Se Deus falou por intermédio de uma jumenta, e usou ímpios como Ciro, Balaão e Judas para realizarem feitos muito maiores do que esses; por que não pode usá-lo? E, mesmo assim, nem o animal ou aqueles homens foram salvos, antes foram condenados, “para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama” [Rm 9.11]. Logo, o que impede Deus de usá-lo na pregação, no evangelismo, no sustento ministerial, e ainda assim condená-lo?

Para concluir, mais duas colocações:

Primeira, como já disse, não estou defendendo nenhum conceito antinomiano, nem de que as exortações da Bíblia para que busquemos a Deus, obedeça-mo-lo, e sejamos santos como ele é santo, são inúteis e incapazes de serem cumpridas. Nada disso! A obediência não é um salvo-conduto para se ingressar no Reino, pelo contrário, se não houver o chamado divino, e Deus não o capacitar a realizar esses e outros feitos para a sua glória, nem mesmo a maior de todas as maravilhas o impedirá de ir para o inferno. Servir a Deus e ser-lhe obediente são consequências e não causas da salvação. O eleito, após a regeneração, deverá buscar, se esforçar, e lutar para, dia após dia, ser transformado à imagem de Cristo, não como algo intrínseco à sua natureza, mas como dádiva do Senhor pela qual somos, nos movemos e existimos. Em outras palavras, se o eleito busca, se esforça e luta para ser como o seu Senhor, é porque Deus opera nele até mesmo nos pensamentos e desejos menos evidenciáveis, de tal forma que se cumpra a promessa de Deus tê-lo elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade... para alcançar a glória de nosso Senhor Jesus Cristo [2Ts 2.13-14].

Segunda, o entendimento da soberania de Deus não é algo que pode ser mudado conforme a nossa conveniência. Algo que sempre me trouxe paz é saber que, mesmo numa eventual não-eleição [como uma hipótese], e sendo condenado ao fogo do inferno, eu daria glória a Deus, bendiria-o, e declararia a todos a sua santidade, perfeição, justiça, mesmo em meio as labaredas eternas, pois a sua vontade irretocável cumprir-se-ia soberanamente.

Com isso, não estou a duvidar da minha salvação e eleição, mas reconhecer que o Senhor permanece o que é e sempre foi, que a sua natureza não pode ser abalada em nenhum aspecto, ainda que o inferno fosse o meu destino. Não está errado reconhecer a justiça e perfeição divinas por nos salvar; mas o fato de não ser salvo, e estar destinado à condenação, não o tornaria injusto, mau ou tirano. Por ser essa a sua vontade e, portanto, santa e perfeita.
Fazendo uma analogia, utilizando-me de um trecho do livro de Jó, Deus permanece Deus a despeito da minha condição e situação, pois "nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o Senhor o deu, e o Senhor o tomou: bendito seja o nome do Senhor" [Jó 2.21].

Ele entendeu isso. Cabe-nos fazer o mesmo.

Notas: [1] Este texto é a segunda parte, a continuação, ao entitulado “Deus não faz acepção de pessoas”.
[2] Escrevi sobre a lei, dizendo que ela sempre tem o caráter de condenar e jamais salvar em “Lei e Graça: revelação divina”
[3] Analogias não são totalmente eficientes e confiáveis quando relacionadas ao texto bíblico, mas podem nos dar uma idéia do que ela está dizendo, facilitando o entendimento; sendo as analogias falíveis, como falível é o nosso pensamento.
[4] Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, pg 398, Editora Vida Nova
Fonte: KÁLAMOS