A pior das incompetências na interpretação das Escrituras Sagradas ocorre, não quando erramos por desconhecer o contexto, não quando achamos que pudesse ser daquela forma, não quando repetimos os erros dos outros – todos esses erros graves. A pior das incompetências ocorre quando se parte para o texto com um pressuposto ou uma teologia prontos e, então, faz-se um exercício intelectual, malabarístico, para adequá-los ao texto bíblico. Vivi fazendo isso por 17 anos, quando pertencia a uma seita perita em fazer isso.
Imagine um grupo exclusivista de pessoas que se reuniram para prever a volta de Jesus para uma data X. Mas Jesus não veio nessa data. Então, para que a auto proclamação de única verdade não caia por terra diante do fiasco, constroi-se uma história de erros interpretativos para adequar o ocorrido a textos bíblicos, na tentativa desesperada de camuflar o erro.
Pense nesse mesmo grupo reunindo-se a portas fechadas, orando ao deus que creem, para que os ilumine, para poderem dar uma justificativa à falsa profecia não cumprida. Então, olham para Provérbios 4:18. Ali lê-se que o caminho dos justos é como uma luz que brilha mais e mais até ser dia. Eureca! Erramos porque a luz não havia brilhado! Desconsiderando que o texto de Provérbios 4:18 não foi escrito com o fim de justificar erros de interpretação, encostam-se no que lhes importa e lhes convém: Uma horripilante interpretação que explicaria o porque do erro. Quem manda a luz? Deus. Assim, a culpa não foi nossa, mas de Deus que não nos mostrou ainda a verdade.
Daí, a mente desesperada sectária, bem ou má intencionada, depois de anos preganda a data X para o suposto retorno de Cristo, que não aconteceu, não se conforma. “Será que não teríamos acertado a data, mas errado o acontecimento?” Obviamente, o mau êxito precisa de uma fabulosa explicação, com remanejamentos ou, se preferir, novos lampejos de luz divina. E nada melhor do que ensinar: “A data estava certa, mas o acontecimento errado”. Mas qual teria sido o acontecimento correto, evidente? No lugar desses sectários, não seria melhor escolher um acontecimento espiritual, invisível, para que pelo menos aqueles que pedem uma explicação para o fiasco se contentem entre aspas? Óbvio, Jesus veio na data X, mas não visivelmente. Invisivelmente é a solução.
Daí, com a resposta nas mangas, a teologia está pronta. Na data X, Jesus retornou espiritualmente. “Vocês não viram? Não? Sabem por que não? Porque não tiveram discernimento! Porque as igrejas de vocês estão perdidas, e só nós estamos certos, a final, reconhecemos que erramos em parte.” Malandros! Tal teologia pronta precisa agora explicar por que quando Jesus volta, segundo a Bíblia, “todo olho o verá”. Mas se voltou espiritualmente, como todo olho pode ver este acontecimento? A saída é reinterpretar o substantivo “olho”, como “olhos do discernimento”. Sim, “agora eu vejo”, é a arte da súcia. “Você não viu? Agora eu vejo!” Mas será que todo olho viu a volta invisível de Jesus? Não, somente eles. Então, a teologia pronta precisa alterar o significado de “todo”: Toda aquele que pertence à nossa organização religiosa.
A teologia pronta vai gangrenando aos poucos mais versículos, e uma putrefação generalizada vai matando o bom senso. Se ele voltou invisivelmente, mas não acabou com a maldade, então ele apenas começou a agir, não aqui, mas lá no ceu. Eureca! Na data X ocorreu uma grande guerra mundial, então, Jesus tornou-se Rei empossado nessa data e expulsou Satanás do ceu, por isso que houve a Primeira Guerra Mundial. Pobre Jesus. Estamos em 2011, e ele não reina nem há cem anos ainda!
A história dessas aberrações poderia virar um livro chamado: A Gangrena na Hermenêutica e Exegese bíblicas. Mas não são homens sinceros, dedicados ao estudo bíblico, desejosos de interpretar corretamente as Escrituras? Dizem que o inferno está cheio de boas intenções. A maldita mania de exclusivismo religioso separa as seitas de Deus, que escolhe pessoas, não placas religiosas.
Por fim, a seita acaba marcando outras datas, Y e Z. Cansaram de errar, e aprenderam com a gente, os cristãos, a não fazerem mais falsas profecias (chamam de falsas expectativas para camuflar a safadeza). Adequados agora à nossa teologia cristã óbvia, não prevêm mais datas para a volta de Cristo, mas para não dizer que aprenderam conosco, afirmam: “Nesse assunto, a luz brilhou de vez!” Daí, eu pergunto: Que porcaria de deus seguem, que os deixa errar como falsos profetas, sem lhes ter dado discernimento para encontrar nas Escrituras o óbvio: “Ninguem sabe o dia e a hora”. (Mateus 24:36) Quer recebê-los em sua casa aos domingos de manhã? Você decide.
Fernando Galli
Fernando Galli