De modo aproximado, sofisma é o enunciado falso que parece verdadeiro numa compreensão superficial.
Tradicionalmente, nem todo enunciado que parece verdadeiro é considerado sofisma. O tipo de semelhança que determina o sofisma geralmente é a relacionada com a forma lógica do enunciado. Também é comum considerar como sofisma aqueles enunciados aparentemente verdadeiros, em função de induções malfeitas, provavelmente devido à contigüidade que sempre existiu entre lógica e epistemologia na história do pensamento.
Há outros enunciados que parecem verdadeiros, mas que não costumam ser arrolados como sofisma. Um exemplo disso é a versão de um criminoso tentando se livrar da acusação do crime. A versão pode parecer verdadeira, mas nem por isso vai ser chamada automaticamente de sofisma.
A especificação exata do tipo de semelhança com a verdade que caracteriza o sofisma não é possível nem desejável. É impossível em função da disparidade entre os sofismas tradicionais e indesejável porque fecha o conceito de sofisma a futuras inclusões.
O melhor é deixar a definição em aberto ou então recorrer a uma definição extensiva do tipo: sofisma é a petição de princípio, a falsa analogia, a contradição camuflada, etc.
O sofisma nasce do lapso ou da intenção de iludir. O lapso pode ser do emissor ou do receptor.
A caracterização de um sofisma é subjetiva. Para isso, em primeiro lugar, temos que nos restringir à classe das questões que podem ser refutadas pela lógica.
Em enunciados que se respaldam em premissas filosóficas a caracterização do sofisma pode ser impossível.
Não há critérios objetivos para definir o que é uma coisa que parece verdadeira. Isso depende da acuidade de cada um. Por exemplo: uma contradição camuflada pode ser encarada como sofisma se quem a avaliar julgá-la sutil.
Outro pode considerá-la grosseira e rotulá-la como simples mentira, equívoco, contradição.
Fatores que favorecem o efeito de ilusão do sofisma:
· Uso de forma de silogismo. A forma do silogismo tem a ela associada uma conotação de credibilidade.
· Uso de forma elaborada leva a uma conotação de credibilidade.
· Arredondamentos. Supõe-se, por exemplo, que o improvável é impossível, que quase tudo significa tudo, que 'se' significa 'se e somente se', etc. Pessoas que não são rigorosas no raciocínio praticam estas operações.
Sofismas formais e materiais
Um sofisma é formal se as premissas que o sustentam são válidas e se sua falsidade derivar do mau uso das regras de inferência lógica, o que pode ser mostrado com os recursos da lógica formal, usando-se uma tabela-verdade, por exemplo.
Um sofisma é material se resultar falso mesmo sendo validado pelos critérios da lógica formal. Sua falsidade vem da falsidade das premissas.
Há casos em que é difícil discernir se um sofisma é formal ou material. Exemplo: ao se confundir um fato improvável com um fato impossível. Nem sempre há como dizer se a confusão ocorre no nível formal, ao tomar o impossível pelo improvável, ou se por uma má indução de fatos da objetividade.
Sofismas de indução
Algumas vezes as premissas resultam de induções, por isso tradicionalmente fala-se nos sofismas de indução, que resultam de premissas mal-induzidas. Existem sofismas de indução cuja invalidade é aceita sem maiores discussões, devido à simplicidade com que se prova o erro de indução.
A questão começa a ficar complexa quando nos avizinhamos de questões-limite da epistemologia, como as que estabelecem em que condições são válidas as induções amplificadoras, que são as induções típicas praticadas pelos cientistas.
Uma indução amplificadora é aquela que extrapola suas conclusões para além daquilo que foi observado.
Também é preciso considerar que a qualidade de uma indução depende do estágio em que se encontra o conhecimento da objetividade. O enunciado 'A Terra é o centro do Universo' já passou por boa indução.
O sofisma de Zenão é clássico para ilustrar que certos sofismas de indução só são desmontados com o avanço do conhecimento.
Pelo sofisma de Zenão se afirma que o movimento é impossível supondo que para percorrer uma distância é necessário, primeiramente, percorrer a metade da distância. Ora, percorrida metade da distância será necessário percorrer metade da distância restante e assim sucessivamente, de modo que para cobrir uma distância será necessário realizar uma
seqüência infinita de etapas.
Na época em que Zenão lançou seu sofisma não haviam sido formuladas as noções de continuidade, de infinitésimo e outras noções que podem ser usadas para desmontar o sofisma.
Hoje podemos afirmar que o movimento é contínuo e não discreto, que para percorrer infinitos espaços infinitesimais não é necessário um tempo infinito.
Em função das dificuldades epistemológicas envolvidas em afirmar o que é uma indução malfeita, aqui não se faz referência a sofismas de indução, exceto o da falsa analogia, que
é apresentado apenas formalmente.
Tipos de sofisma
Os tipos a seguir são os mais notáveis. A relação não é exaustiva.
Contrariedade camuflada
Consiste na conjunção de proposições em que a aceitação de uma implica na negação da outra, sem que isto seja visível de imediato. A camuflagem acontece quando:
· a premissa que revela a contrariedade é desconhecida ou desconsiderada pelo receptor;
· a revelação da contrariedade exige o estabelecimento de uma seqüência longa de implicações;
· a contrariedade é sutil e exige atenção para detecção;
· há distanciamento entre as proposições contrárias, de modo que a memória da primeira já tenha se desvanecido ao ser apresentada a segunda.
A contrariedade camuflada difere da contrariedade flagrante e do oxímoro. Da primeira, pela própria camuflagem e do segundo pela impossibilidade de aplicação do algoritmo para oxímoro.
Os enunciados contrários de um sofisma de contrariedade têm de estar explícitos no discurso para que se caracterize o sofisma unicamente pela análise do discurso.
Uma relação de contrariedade entre as proposições A e B pode ser expressa pela sentença: 'se A então não B e, se B, então não A'.
O sofisma da contrariedade camuflada se resume à fórmula 'A é B'. A falsidade se aplica à conjunção. Obviamente uma das duas proposições, A ou B, em separado, pode ser verdadeira.
As contradições têm a forma 'A é não A'. Assim, qualquer contradição também é uma contrariedade. O que se disse sobre sofismas de contrariedade pode ser dito sobre sofismas de contradição camuflada.
De possibilidades
São proposições que se referem a fatos objetivos. Elas podem declarar o impossível e o possível.
O possível pode ser improvável, provável e certo.
Os sofismas de possibilidade confundem as noções. Exemplos:
Tudo o que é improvável é falso, impossível.
Tudo o que é provável é certo, verdadeiro.
De quantificação
São os ligados à declarações de existência.
Existe indivíduo que atende à proposição, então todo indivíduoatende à proposição.
Nem todo indivíduo atende à proposição, então nenhum indivíduoatende à proposição.
Os sofismas de possibilidade e de quantificação poderiam ser chamados de sofismas de arredondamento e enunciados do seguinte modo:
O que está próximo de zero ou próximo de 100% pode ser arredondado para zero e 100% respectivamente.
De implicação
Consiste basicamente em dizer que X implica Y, quando na verdade isto não ocorre.
A ilusão do sofisma é criada, na maioria das vezes, porque X e Y apresentam alguma relação de contigüidade que é tomada por relação de implicação.
Ou X antecede Y, ou comumente lhe é contíguo, ou Y implica X, ou não Y implica não X, etc.
A rigor todos os sofismas são sofismas de implicação. Os aqui considerados são aqueles em que o erro de implicação está mais evidente. Os sofismas mais comuns desta classe:
Ad hominem: Argumento que prova tese usando premissas que não a implicam.
Ex.: 'O cigarro não faz mal porque o João disse isso'.
Se X implica Y, então Y implica X.
Se X implica Y, então não X implica não Y.
Se X implica Y, então não Y implica não X.
Se a tese é verdadeira, então as premissas também são.
Se a tese é falsa, então as premissas também são.
Se X é contíguo a Y, então X implica Y.
Transferência de credibilidade
Uma proposição é considerada boa porque vem de uma boa fonte ou má se vem de fonte ruim. Esta fonte pode ser a tradição, a posição da autoridade, a maioria, etc.
Esse tipo de sofisma é também sofisma de implicação, pois considera que a autoridade da fonte implica na veracidade do enunciado.
Aqui entra os besteirois falados por pastores pregadores famosos.
Do maniqueísmo
Sejam X e Y proposições pertinentes num mesmo domínio e não complementares. O sofisma do maniqueísmo se expressa como:
Se X, então não Y. Se não X, então Y.
O enunciado verdadeiro seria:
Se não X, então Y ou A ou B ou C ...
A confusão no sofisma de maniqueísmo consiste em tomar por relação de contrariedade complementar o que é contrariedade simples.
Estatísticos
A qualidade do indivíduo é considerada a qualidade média do grupo.
Falta de prova em contrário
A proposição é considerada verdadeira se não houver prova de sua falsidade e vice-versa.
Falsa analogia
Consiste no transplante inconsistente de conclusões de um contexto para outro. Genericamente, X é similar a Y. X tem a propriedade P, logo Y também a possui.
Exemplo: 'Tirando-lhe um cabelo não ficará calvo, tampouco tirando-lhe dois ou três. Do mesmo modo não ficará calvo se lhe tirarem todos os cabelos'. Aqui extrapola-se o que é válido para um, dois e três cabelos para o total de cabelos.
A falsa analogia extrapola a similaridade entre duas situações para além da sua validade.
Composição ou divisão
São os sofismas que atribuem ao todo o que é próprio das partes ou às partes o que é próprio do todo. Exemplos:
O todo é pesado. As partes são pesadas.
As partes são leves. O conjunto é leve.
Petição de princípio
É o argumento que prova a tese assumindo a sua veracidade como premissa. É a forma redutível a: 'A é verdadeira porque A é verdadeira'.
A petição de princípio é um argumento inválido, o que significa que não é possível provar a proposição com ele, o que não impede a proposição de ser verdadeira. A petição de princípio eficaz como sofisma sempre envolve camuflagem. Nestes casos é preciso estabelecer uma cadeia de implicações para desmontar a petição de princípio.
Semânticos
Consistem em confundir o receptor quanto ao sentido em que dado termo é usado. Há muitas possibilidades:
Atribuir ao comparado, num recurso de retórica semântico, características do comparante que não são pertinentes a ambos ou vice-versa.
Numa palavra polissêmica que se refere ao conceito A ou ao conceito B atribuir ao conceito A as características do conceito B, ou vice-versa.
Exemplo: 'Não conheces este homem velado. É teu pai, logo, não conheces teu pai'. Aqui há dois sentidos para conhecer.
O sofisma só funciona quando se opta por um nas duas ocorrências.
Num termo que admite leitura imediata e leitura figurada atribuir ao conceito evocado pela leitura figurada características do conceito evocado pela leitura imediata e vice-versa.
Atribuir ao termo conotações diferentes no mesmo contexto. Este sofisma ocorre muito nas críticas filosóficas. Parte-se das características de um termo tais quais elas são num contexto A para critica-las num contexto B, no qual o conceito a que se refere o termo sofreu mutação.
Tomar o signo ora como signo mesmo, ora como significado, ora como significante. Confunde-se uso com menção.
Exemplo: 'Racismo é só uma palavra. Não há por que discutir sobre palavras. Não há porque
discutir racismo.'
Um sofisma semântico não deve ser confundido com ambigüidade. A ambigüidade se caracteriza pela possibilidade de pelo menos dois sentidos para o mesmo enunciado, sendo a escolha por um dos sentidos questão indecidível no contexto. No sofisma semântico temos um só sentido, que é falso, mas aparentemente verdadeiro, em que a ilusão vem de se tomar um termo num sentido quando se deveria tomá-lo em outro. Caso se opte por atribuir ao enunciado o sentido que anula o sofisma, o resultado é uma anomalia.
De conjunção e disjunção
Atribui-se a um termo o que só pode ser atribuído quando em conjunção com outro.
Exemplo: 'Quem faz mal a outro merece punição. Quem transmite doença contagiosa faz mal ao outro, logo deve ser punido'. Neste caso o termo 'fazer mal' só é pertinente ao enunciado se estiver em conjunção com o termo 'intencionalmente'.
Exemplo: 'O que se compra no mercado, come-se. Comprei carne crua. Comerei carne crua'. O que falta à primeira premissa é a conjunção com o enunciado: 'mas não tal qual vem'.
Sofismas em outras lógicas
Os sofismas acima foram considerados à luz da lógica bivalente do falso e do verdadeiro. Se admitirmos que os enunciados têm uma probabilidade associada a eles, verdadeiro na lógica bivalente é o enunciado que tem probabilidade de 100% e falso todo enunciado com probabilidade menor que 100%.
Há quatro classificações para os enunciados:
· Certo: enunciado com probabilidade l.
· Provável: enunciado com probabilidade maior ou igual a 0,5 e menor que l.
· Improvável: enunciado com probabilidade menor que 0,5 e maior que 0.
· Impossível: enunciado com probabilidade igual a zero.
O limite entre o provável e o improvável é arbitrário.
Os enunciados também podem ser classificados como fortes ou fracos: fracos são os impossíveis e os improváveis e fortes são os prováveis e os certos.
Em um quadro-resumo temos:
· Certo = Forte = Verdadeiro
· Provável = Forte = Falso
· Improvável = Fraco = Falso
· Impossível = Fraco = Falso
O enunciado 'Ele está mentindo porque é um mentiroso contumaz' é falso na lógica bivalente F/V, é um sofisma ad hominen, mas se a premissa que o sustenta é verdadeira, ou seja, se ele é realmente mentiroso contumaz, então o enunciado é certo ou provável, logo é forte.
Também pode-se considerar que o enunciado é uma simplificação por analogia de: 'Ele deve estar mentindo porque mentiu sempre em situações semelhantes.'
Há certos contextos em que decisões devem ser tomadas a partir da análise de enunciados como o anterior. Nesses contextos, a dicotomia falso/verdadeiro nem sempre é a ideal para balizar a decisão. Pode ocorrer que a dicotomia forte/fraco seja mais conveniente. Nesta direção, o enunciado sobre o mentiroso contumaz deixa de ser sofismático.
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